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Atenção primária na saúde suplementar. Uma utopia ?

22/01/2018

Observa-se há algum tempo, um movimento global de mudança da organização do sistema de saúde no mundo todo, de sistemas fragmentados, voltados para a atenção às condições agudas para sistemas integrados dirigidos para a atenção às condições agudas e crônicas e coordenados em redes.

A Atenção Primária em Saúde (APS) é um componente-chave dos sistemas de saúde, reconhecida pela literatura internacional, pois trazem impactos efetivos com melhores indicadores de saúde, maior eficiência no fluxo dos usuários dentro do sistema, tratamento mais efetivo de condições crônicas, maior eficiência do cuidado, maior utilização de práticas preventivas e maior satisfação dos usuários.

 

O modelo atualmente vigente na saúde suplementar brasileira tem se caracterizado pela baixa coordenação do cuidado, livre escolha de profissionais e serviços pelos usuários, uso inadequado e inoportuno de tecnologias, com consequentes desfechos subótimos em saúde, maior exposição a riscos e iatrogenia, baixas taxas de satisfação dos usuários e profissionais e custos crescentes que afetam todo o sistema de saúde.

 

Um sistema de saúde baseado na APS está embasado em um conjunto de elementos estruturais e funcionais essenciais que presta atenção integral, integrada e apropriada ao longo do tempo, com ênfase na promoção e prevenção e garanta o primeiro contato do usuário com o sistema. Ele emprega práticas efetivas de organização e gestão em todos os níveis do sistema para garantir qualidade, eficiência e efetividade e desenvolve mecanismos ativos para maximizar a participação.

 

Por exemplo, no conceito de “porta de entrada” do sistema podemos avaliar pela facilidade com que o paciente consegue um encontro com sua equipe e seu médico de referência. Além disso, está relacionado a diferentes formas de acesso (presencial, telefone, e-mail) e diversidade de horários disponíveis. Ela deve estar aliada à coordenação do cuidado que visa manter o vínculo com as pessoas, mesmo nas situações de emergência ou de casos mais graves, tanto para cuidar dos outros problemas quanto para continuar mantendo o vínculo.

 

Também a Saúde Suplementar pode e deve oferecer serviços de atenção primária, que são capazes de gerar qualidade assistencial e reduzir despesas. Neste contexto, os serviços de APS devem ser compostos por elementos estruturais e funcionais, que compreendem a cobertura e acesso garantidos; a atenção integral e integrada; a ênfase na promoção e na prevenção; a oferta de atenção apropriada; a orientação familiar e grupal; a organização e gerenciamento ótimos; a atenção desde o primeiro contato e os recursos humanos apropriados.

 

A capacitação de mão-de-obra especializada em APS é um tópico fundamental. Frequentemente, os médicos especialistas também atuam (em uma “dupla militância) na porta de entrada do sistema. Eles foram treinados em hospitais para atender situações de emergências e pacientes graves e podem ser barreiras para a mudança do sistema para um modelo de APS.

 

Além disso, é importante um processo de educação e mudança cultural dos beneficiários da saúde suplementar. Durante muito tempo, foi senso comum que o melhor plano de saúde era aquele que possuía um grande rol de credenciados, em todas as especialidades, além de uma rede robusta de hospitais e laboratórios e nem se menciona a APS. Ressalte-se que, em muitos países, o nome dos especialistas disponíveis não chega nem a ser divulgado, porque caso seja necessário o encaminhamento, o próprio médico de referência irá providenciá-lo.

 

Neste contexto, um desafio importante é compatibilizar a normatização ora em vigor e a atualização do modelo de cuidado vigente. Por exemplo, a RN nº 259, de 17/06/ 2011, que dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de planos de saúde, na qual são esclarecidos os conceitos de área geográfica de abrangência, área de atuação do produto, município de demanda, rede assistencial, região de saúde e indisponibilidade. Desta forma, ao compor um produto para ser comercializada, a operadora deve se atentar para a necessidade de oferecer uma rede com um bom portfólio de serviços e número de profissionais de saúde de acordo com as normas, visando assegurar que diante de uma doença o beneficiário encontre opções que lhe propiciem cuidado adequado em tempo hábil. E tudo isso sem ferir sua liberdade de escolha quanto aos profissionais e serviços de sua preferência dentro do produto escolhido. Surge o risco de o usuário utilizar indiscriminadamente os serviços de saúde, consumindo recursos além do que sua condição demanda, pela sua incapacidade de determinar a priori sua real necessidade, por lhe faltar conhecimento técnico e orientação sobre a melhor decisão a tomar. Assim, se induz a livre-escolha, o acesso direto e rápido a especialistas e cria-se um incentivo para que o usuário continue com o comportamento de “consumir serviços”.

 

Deste modo, não basta termos algumas boas experiências, mas que se constitui quase que um “corpo estranho” no portfolio da operadora, como um produto diferenciado, que atinge um percentual insignificante do total da carteira ou um piloto que se arrasta por anos a fio.

 

A mudança do modelo assistencial deverá incluir o processo de regulação da ANS, o modelo de negócio dos prestadores de serviços e a cultura dos usuários. Somente assim será possível se contrapor ao modelo centrado no hospital que, além de fragmentado, descoordenado, com ações de prevenção descoladas das ações de tratamento e reabilitação, são pouco custo-efetivo e com uma atenção primária à saúde historicamente incipiente e mesmo marginal.

Fonte: Saúde Business

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