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Crise faz saúde ganhar espaço no gasto dos Estados

16/02/2017

A maior demanda por serviços públicos de saúde fez avançar os gastos do setor mesmo em um período em que os Estados foram obrigados a conter despesas. Levantamento com dados dos relatórios fiscais mostra que dentro de 26 unidades da federação, incluindo o Distrito Federal, em 16 delas a despesa com saúde avançou mais que o total dos gastos nos últimos dois anos.

 

Na média, o desembolso com saúde cresceu em ritmo maior que as despesas totais dos governos estaduais. Por isso, de 2014 a 2016, a fatia da saúde avançou de 12,6% para 13,3% na proporção da despesa total dos Estados. O valor total de gastos na área da saúde dos 26 Estados cresceu 14,2% enquanto a receita corrente líquida subiu 12%. Com a expansão das despesas, os Estados gastaram R$ 10,9 bilhões a mais com a área de saúde de 2014 para o ano passado.

 

Os dados levaram em conta as despesas orçamentárias empenhadas para a função saúde informadas no anexo dois do relatório de execução orçamentária. O Rio foi o único Estado que não teve os dados recolhidos, porque não havia publicado os relatórios fiscais quando o levantamento foi feito.

 

O avanço da despesa de saúde em ritmo maior que o das receitas também pode ser verificado em alguns Estados, isoladamente. Em São Paulo, a despesa empenhada com saúde avançou 9,6%, enquanto a receita corrente líquida cresceu 3,6% nos últimos dois anos. Em Minas Gerais, o gasto na pasta subiu 19,9%, enquanto as receitas aumentaram 12,8%. Na Bahia, a despesa cresceu 12,1%; as receitas, 11%.

 

Em que pese os efeitos da crise e mesmo as decisões de ajuste fiscal, diz José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), o gasto com saúde dos governos regionais está crescendo, ao contrário do que ocorre com a União. Ele ressalta que uma das razões é estrutural. Em todo o mundo, diz ele, o custo de saúde vem crescendo e, no caso da rede pública, tal pressão rebate direto nos governos que estão mais próximos da população.

 

A outra explicação é conjuntural. "Com o desemprego recorde e milhões de trabalhadores e suas famílias perdendo seus planos de saúde corporativos, resta o recurso à rede pública e, de novo, essa maior pressão bate nos governos regionais" afirma Afonso.

 

Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada em agosto do ano passado, mostra como a recessão causou s mudanças nos hábitos de consumo de bens e serviços. Segundo a pesquisa, 24% das pessoas tiveram que vender bens para pagar dívidas. Ao mesmo tempo houve a troca de serviços particulares por públicos e a mudança não se restringiu à saúde, o que pode significar pressão maior sobre os gastos dos Estados, submetidos ao teto do crescimento de despesas pela inflação. Cerca de 48% passaram a usar mais o transporte público, enquanto 34% deixaram de ter plano de saúde e 14% mudaram os filhos da escola privada para a pública.

 

George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, explica que os efeitos da crise não são sentidos de forma uniforme em todos os Estados. "Em Alagoas, como a população é muito pobre e já dependia bastante do sistema público, a crise não tem tanto impacto." Alagoas é um dos dez Estados em que o gasto com saúde recuou, de 11,9% para 10,8% na proporção da despesa total.

 

De qualquer forma, lembra Santoro, a demanda por serviços públicos no Estado tem aumentado. Segundo ele, a base de comparação de 2014 para esses gastos em Alagoas pode ser considerada alta. Na época, quando as operações de crédito dos governos estaduais ainda eram incentivadas pela União, o Estado aplicou recursos de financiamentos na compra de equipamentos e na ampliação da rede de atendimento.

 

Além disso, explica o secretário de Fazenda, a segregação dos recursos aplicados no período de acordo com a origem revela o grande impacto que o setor de saúde teve para as contas do Estado. A parcela de gastos financiada por recursos do Tesouro estadual cresceu 25% nos últimos dois anos, enquanto a parte financiada pelo governo federal via Sistema Único de Saúde (SUS) subiu apenas 3,4% no mesmo período.

 

O SUS, diz Afonso, é, dos gastos, o mais dependente do arranjo federativo e hoje envolve uma perversa equação de gasto e financiamento. A pressão por gasto rebate diretamente sobre os governos estaduais e municipais. E como o governo federal parou de privilegiar o SUS, a ponto de passar três anos sem reajustar as tarifas pelos serviços por ele prestados, os governos regionais são obrigados a financiar, afirma.

 

No Distrito Federal (DF), a participação dos gastos empenhados com saúde avançou de 17,7% para 22,9% da despesa total de 2014 a 2016. Em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal diz que no critério da despesa realizada para fins de cálculo da aplicação mínima em saúde, o gasto no ano passado foi de R$ 2,53 bilhões, com alta de 2,53% contra 2014.

 

Oldair Marinho, superintendente do Tesouro de Goiás, diz que a população não apenas vem recorrendo mais aos serviços públicos nos últimos três anos, como prefere o atendimento feito por entidades mantidas pelo Estado. "Nós pagamos entre quatro e cinco vezes mais do que a tabela SUS", ressalta.

 

O governo vem mudando a gestão de hospitais do Estado, substituindo a administração direta por organizações sociais. "A assistência melhorou e os cidadãos estão procurando esses hospitais cada vez mais", afirma ele, que trabalhou por dois anos na secretaria de Saúde e desde maio está na Fazenda.

 

Em Goiás, entre 2014 e 2016 as despesas cresceram 1,3%, enquanto os gastos com saúde avançaram 16%, para R$ 3,19 bilhões. Assim, a participação da rubrica na despesa total avançou de 12,8% para 14,7%. O impacto do aumento nas contas do Estado, diz o superintendente, foi equilibrado pelas medidas de austeridade colocadas em prática nos últimos anos: o número de secretarias foi reduzido de 18 para 10, foram cortados milhares de cargos comissionados e contratadas consultorias para que os recursos disponíveis fossem usados de maneira mais eficiente.

 

Assim, mesmo diante de um cenário de queda expressiva de receitas, o Estado apurou superávits tanto em 2015 quanto em 2016, de R$ 6,6 milhões e de R$ 1,04 milhão, respectivamente, depois de registrar déficit primário de R$ 680 milhões em 2014.

 

Um indicador que os Estados acompanham de perto, acrescenta Marinho, é a relação entre as despesas de saúde (neste caso, apenas aquelas sob responsabilidade do Estado, excluídos os gastos do SUS e com inativos) sobre a receita líquida de impostos e de transferências constitucionais. Por lei, o percentual mínimo de aplicação de recursos deve ser de 12% do total. Em Goiás, afirma, o governo procura variar pouco esse nível, que passou de 12,1% em 2014 para 12,03% em 2016.

 

Entre 2014 e 2016, diz Afonso, o gasto total dos Estados deve ter caído, em termos reais, pela queda da receita e falta de alternativa para se financiarem. Se o gasto deles com saúde cresceu mais que as despesas totais, é porque ocupou o espaço de outros gastos estaduais.

 

Fonte: Anahp
 

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